Atel x Chery – Marcas e Patentes
A marca chinesa Chery e a brasileira Atel disputam na Justiça o direito de uso do mesmo símbolo. A empresa nacional venceu o processo, que está em fase de recurso. Confirmada a sentença, a montadora terá de redesenhar sua identificação no mercado local e arcar com um prejuízo milionário.
O corintiano José Ferrão Filho se arrepiava todas as vezes que o time de futebol do Santos jogava no primeiro trimestre de 2013. O maior problema não era o resultado esportivo conquistado pela equipe de Neymar, mas a quantidade de emails que ele recebia dos clientes no dia seguinte à partida. Sócio da fabricante de autopeças Atel, Ferrão era questionado sobre as implicações de usar o mesmo logotipo da montadora Chery – naquele período o time paulista foi patrocinado pela empresa chinesa. Pior: os revendedores queriam saber se as peças eram piratas, o que poderia gerar multa, apreensão do estoque e até o fechamento do estabelecimento comercial.
Nas primeiras vezes, o empresário ficava constrangido em ter de explicar o que estava acontecendo. Passadas algumas semanas, preparou uma mensagem padrão, com dois arquivos anexados, que sua secretária deveria encaminhar a todos que perguntassem sobre a semelhança entre as marcas da Atel e da Chery. Os dois arquivos, num total de 45 páginas, mostravam, em fatos cronológicos, como estava a disputa jurídica envolvendo as empresas e como o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), órgão federal responsável pelo registro de marcas e patentes no País, reconhecia a companhia brasileira como dona do símbolo com a letra A.
O que não se sabia até aquele momento e se sabe hoje é que a sentença do juiz Celso Araújo Santos, da 9a Vara Federal do Rio de Janeiro, deu ganho de causa à Atel e decretou a nulidade dos registros feitos pela Chery no INPI entre 2007 e 2009. “Há risco concreto de confusão ou associação entre as marcas, pois ambas são voltadas para peças e serviços para veículos”, escreveu Santos. “O fato é que consumidores podem se confundir, acreditando que produtos com o ‘A’ estilizado na elipse da Chery são da Atel, ou o inverso (que produtos com o A estilizado em elipse da Atel são da Chery), ou que existe algum tipo de associação entre as empresas.”
O processo, contra a WuHu Chery Technology, está em fase de recurso. Assim que se esgotarem todas as análises pelos Tribunais, e caso seja mantida a sentença, a montadora chinesa será obrigada a mudar a sua identificação visual. “Desde 2009, eles sabiam que poderiam ter de fazer um recall dos carros”, afirma Ferrão. “Nunca pensei em pegar dinheiro deles. Chegamos a nos reunir para chegar a um acordo, mas eles sumiram. Agora o problema é deles e eu quero a minha marca de volta.”
ANÁLISE DO INPI
Casos como esse merecem ser olhados com lupa. Há alguns anos, era comum que aventureiros fizessem o registro de marcas estrangeiras no Brasil para extorquir a companhia global quando ela se instalasse no País. “Havia muita pirataria e os juízes brasileiros começaram a ter uma visão mais técnica e seguir a ética internacional”, diz Jaime Troiano, sócio da Troiano Branding e um dos maiores especialistas em marcas no País. “A Justiça passou a dar ganho de causa para proprietários internacionais quando percebiam que a marca tinha sido registrada só para ganhar dinheiro, sem qualquer operação ligada a ela.” Mas a disputa entre Atel e Chery não é a primeira entre uma empresa local e outra internacional de um mesmo segmento.
Os donos da cachaça João Andante traduziram o nome do uísque Johnny Walker, da Diageo, quando criaram a bebida em 2008. Assim que fizeram o registro no INPI, em 2011, a companhia britânica contestou na Justiça, o que obrigou a destilaria brasileira a trocar de nome do seu produto, quando o caso foi encerrado em 2013. A Bacardi não teve a mesma sorte. Há 27 anos, ela contestou o vermute Contini, da empresa dos Irmãos Conte, que teria imitado propositalmente o nome e a embalagem do Martini. Somente em agosto do ano passado, a Bacardi ganhou na Justiça o direito de pedir a nulidade da marca nacional.
Todos esses exemplos têm uma diferença importante sobre a disputa entre Chery e Atel. A empresa brasileira existe desde 1969, enquanto a montadora chinesa foi criada em 1997. A logomarca da Atel também nasceu antes. No início dos anos 1990, Ferrão cursava Administração na Universidade Paulista e um amigo propôs a criação de uma identificação para a Atel. O símbolo foi arquivado no INPI em 15 de maio de 1995 e o registro foi aceito em 18 de setembro do mesmo ano.
Registro de Direito Autoral
O empresário também fez o registro de direitos autorais na Faculdade de Belas Artes. Ferrão, que já participava de feiras de autopeças internacionais.
Quando a Cherry desembarcou no Brasil, em 2008, o empresário brasileiro disse ter ficado surpreso com a estranha coincidência. No ano seguinte, por incrível que pareça, a Atel foi notificada pelo INPI que a logomarca estava sendo contestada pelos chineses. A brasileira era acusada de má-fé e que as duas marcas, idênticas, não poderiam coexistir no mesmo mercado. Enquanto o órgão federal fazia a análise do processo, a WuHu Cherry, representada pelo escritório Dannemann Siemsen, e a Atel, pelo departamento jurídico da Darré Moreira Marcas e Patentes, tentaram chegar a um acordo extrajudicial.
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